sexta-feira, 20 de agosto de 2010

o' clock


Já passava da meia-noite quando meus ouvidos foram incomodados por pequenos barulhos vindo da porta. Receosa de quem poderia estar chegando, prostei-me imóvel na cadeira e fiquei a observar. Devido a penumbra provocada pelas venezianas da janela, vi a porta abrir-se e com toda a delicadeza daquela madrugada, uma mulher grávida de aparência bastante atraente entrou sem ao menos pedir licença.
Ela tremia incessavelmente e entre soluços levava suas mãos até a barriga e murmurava súplicas de perdão a todo instante. Não desejava despedir-se daquela futura criança de forma tão brutal, não queria matá-la antes mesmo dela ter nascido. Eram quase sete meses de convivência diária: na hora do jantar, nos passeios ou até mesmo no banho; os dois estavam sempre juntos, literalmente; mas por algum motivo não-aparente ela iria fazer isso, ela tinha que fazer isso.
Vi-a tomar alguns comprimidos para iniciar seu aborto, pensei que ela fosse desmaiar por estar tão fora de si. Observei a tudo aquilo atônita, sem forças para manifestar-me ou ao menos tentar entender o motivo de tudo isso.
Deparei-me com a mulher contorcendo-se de forma involuntária e incontrolável, presumi que seu corpo já estava expulsando o feto totalmente sem vida. Eu não aguentaria ver tal cena, olhei para o relógio, já passava da meia-noite e meia, então desliguei a tv e fui dormir.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

V!


Após trinta anos só, ele apareceu ao meu redor. Não consegui explicar o que senti, mas instantaneamente tremi. Era a primeira vez que o via e senti uma imensa agonia. Não conseguia me controlar e sentia o cheiro de amor no ar. Ele passou reto e discreto; não ousou desviar o olhar, parecia nem ao menos me enxergar. Parei de sorrir, mas não iria desistir.

No dia seguinte, com um grande requinte, voltei ao mesmo local e ganhei várias cantadas pelo meu belíssimo visual. No banco da praça sentei e por ele eu esperei. Mais uma vez ele passou e sequer me notou. Pensei em ir ao seu encontro, mas juntamente com meu coração, minhas pernas gritaram um belo e sonoro NÃO! Não ousei discutir e fiquei por ali.

A cena se repetiu por vinte e nove dias de pura não-alegria. Não me incomodei, muito menos protestei. De férias e sem nada para fazer, aquilo era o melhor passatempo que não estava á mercê. Sem explicação e uma possível conclusão, sabia que meu tempo estava para acabar e que aquilo em nada iria dar.

No trigésimo dia, durante a brilhante luz do dia, fui me despedir de algo que nunca aconteceu ali. Relutante, sentei e pelo nada eu esperei. Ele voltou a passar e roubou três quartos do meu ar. Trajado elegantemente, parou em minha frente e sem licença pedir, sentou-se aqui. Estava curioso e de um modo rigoroso olhou-me insistentemente enquanto eu estava a pensar o que se passava em sua mente.

Sem mais delongas, ele disse-me que era cego e que seu pai mandou-o perguntar por quem eu tanto estava a esperar durante as férias inteiras naquele lugar. Não sabia o que responder, estava sem palavras para qualquer coisa dizer. Instintivamente me levantei e respondi-lhe friamente: "Eu não sei." Abandonei aquele lugar sem nem ao menos pensar, totalmente vermelha de vergonha, Haha.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Xô!


Desde que o mundo é mundo, existe um grande malefício convivendo conosco. Trata-se de um convidado inconveniente, que não deveria ter comparecido em todas às vezes que fora chamado na história, mas veio e causou. Presente apenas quando faz-se necessário a repreensão, a crítica, a condenação; a censura é um instrumento no qual só consegue-se produzir músicas ruins.

Gregos, Romanos, Maias, Astecas, Incas; talvez nem soubessem o que seria exatamente a censura, mas já faziam excelente uso da mesma. Dominação dos mais fracos, obrigando-os a seguir suas regras, imposição de severas leis, e obediência total eram os princípios básicos. Ao passar do tempo, inegavelmente, muitas coisas mudaram e nossa não-desejável convidada não foi exceção à regra.

Ela mudou, exatamente como uma cobra: trocando apenas a pele. Mudou as suas formas de se manifestar, mudou o seu jeito de agir e atingir outrens. "Modernizou-se". Passou por guerras religiosas, ditaduras, conflitos mundiais e atingiu o mais alto nível evolutivo. Conheceu a Internet e como nós, viciou-se, aproveitando também para exercer seu poder.

Engana-se quem acha que a censura acabou e a democracia revigorou. Somos censurados todos os dias sem nem sentir. Ou você acha que programas, novelas, jornais e a rede mundial de computadores só estão aí para nos fazer rir?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

E você, vem sempre aqui?


Estava pronto. Arrumadíssimo, lindo e decidido. Decidido a encontrar aquela que seria sua amada, mesmo que durasse apenas uma noite. Sem perder tempo, iniciou suas buscas assim que chegou naquele casamento. Aproximou-se de seu primeiro alvo e rapidamente atacou dizendo: - Eu quero o seu amor gata! Rapidamente a mulher virou-se para ele e interrompendo toda a cerimônia gritou: - Amor ôôô, tem um moço querendo você! Altamente constrangindo, o rapaz retirou-se e foi procurar outra vítima.

Encostou-se em uma das portas de entrada e quando viu a loira de cabelos longos, metralhou mais uma vez: - Esse seu vestido vai ficar lindo jogado no chão do meu quarto! Ironicamente ela respondeu: - Quer comprar um igual pra fazer um tapete? Eu te indico a loja! Envergonhadíssimo e sem saber onde colocar sua face, saiu imediatamente da cerimônia.

Foi à praça central da cidade e sentou-se no primeiro banco que encontrou. Avistou diversas garotas e uma chamou-lhe a atenção. Ficou a observá-la durante longos minutos e quando criou coragem, foi ao seu encontro. Subitamente, pegou em sua mão e suavemente atirou os seguintes dizeres: - Eu não tiro o olho de você! Afastando suas mãos, a garota disse-lhe: - Ainda bem, né? Senão eu fico cega! Deu-lhe uma rabissaca e saiu, simplesmente.

Ele dizia-se brasileiro e não desistiria, mas pelo visto, aquele mar não estava para peixes e decidiu ir para casa. Andando distraidamente pela calçada, encontrou a morena da noite e impulsivamente falou: - Que curvas, hein! Sutilmente ela respondeu: - Nem me fala. Eu bati o carro 7 vezes só hoje! Fez uma cara de tristeza e foi embora.

Desiludido com tudo e com todos, decidiu ir dormir, aliás, hibernar para não ter o desprazer de acordar tão cedo. Ao entrar no elevador para dirigir-se ao seu apartamento, uma mulher parou-lhe e sensualmente exclamou: - Você é tão perfeito! Ele olhou-a da cabeça aos pés, era belíssima, a melhor que havia encontrado naquela noite. Depois de alguns longos minutos, respondeu-a: - Perfeito? Perfeito é um apelido distante para mim. E se foi ..

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Era uma vez, Ohana.


Irmandade! Essa era a palavra chave para designar o que havia entre "Os Treze Irmãos". Um conjunto perfeito que, sem dúvidas, causava inveja a qualquer ser. Encontravam-se em constante bem-estar, até conhecerem a Adolescência. Inexplicavelmente, tudo mudou. A instabilidade passou a reinar e as maravilhas que existiam dissolveram-se instantaneamente.

Tudo começou quando o mais velho dos irmãos passou a desrespeitar e travar discussões com todos os outros. Sem motivo aparente, os conflitos iniciavam e pareciam não ter mais fim. Ciúmes, inveja e humilhações geraram uma bola de neve que resultou na separação de todos. Os anos passaram e distantes eles continuaram. Sem qualquer notícia ou comunicação, prosseguiram sua vida.

Em um dia qualquer o irmão mais velho, após perambular pelas ruas, encontrou um pequeno bilhete a porta de sua casa. No papel branquinho, havia um endereço que não lhe era estranho, mas não sabia o porquê. Imediatamente, foi ao tal endereço. Tratava-se de uma pequena casa, possivelmente abandonada. Ele pensou tratar-se de um engano e resolveu ir embora. No entanto, algo falou mais alto e ele voltou.

Muito nervoso, bateu a porta e a mesma abriu-se. Seu coração acelerou, todavia não desistiu. Entrou e nada conseguia ver devido a escuridão. Deu alguns passos enquanto suas mãos tateavam as paredes em busca de alguma iluminação. Ouviu um certo barulho e decidiu sair daquele local instantaneamente, contudo, seu corpo não o obedecia e o impulsionava a continuar. Continuou andando e subitamente todas as luzes ascenderam-se.

Ele ficou pasmo, sentiu imensos calafrios e não conseguia mover-se. Não acreditava no que via. Tratava-se de uma festa, a sua festa, com todos os seus irmãos presentes. Por alguma razão, ele tentou fugir, mas de nada adiantou. Fecharam a porta, em seguida, ouviram-se alguns gritos e nada mais.



PS: Ohana quer dizer família.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dezoito.



Após uma espera eterna, o décimo oitavo dia do mês havia chegado. Não se tratava apenas de um simples dia semanal e sim o dia mais importante ao longo de dezoito anos de vida. De praxe, resolvera fazer uma grande festa de aniversário. Convidara todos os moradores das dezoito ruas existentes em sua pacata cidade e, alegremente, fora escolher a melhor roupa que já tivera para tal comemoração.

A dúvida perseguiu-lhe durante intensos dezoito minutos até avistar aquele que seria o grande "look". Rapidamente arrumou-se e as dezoito horas tudo estava perfeitamente em seu devido lugar. Todos compareceram, foram necessárias a formação de exatas dezoito filas de mesas para os convidados. Mas estava faltando algo, aliás, alguém.

Sua primeira paixão que durara dezoito meses perfeitos não estava presente. Apesar do triste fim, ela ainda o amava e nesse grande dia ele deveria estar presente, mas não estava. Seu coração estava a dar punhaladas em si próprio a cada vez que, ao olhar a multidão, não enxergava sua paixão. Exceto esse pequeno detalhe, tudo aconteceu nos conformes. Dezoito enormes caixas de presente foram o resultado de tudo isso.

Depois da despedida, dirigiu-se ao seu quarto onde encontrara sobre a cama dezoito lindos buques de rosas ao redor de um envelope sem remente. Abriu-o imediatamente e logo reconheceu aquela letra pequena e redonda. Ficou em estado de choque durante longos dezoito segundo e quando voltou a si, focou seus olhos no bilhete.

Quando desdobrou-o, avistou um pequeno texto que resumia-se na seguinte frase: "Feliz aniversário meu amor. Você foi o melhor presente da minha vida e eu sempre vou amar você." Foram exatamente dezoito palavras que a fizeram chorar durante os dezoito anos que se seguiram.